segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Entendendo a dor

Antes de mais nada, entender é ilusão. Porque quando a gente acha que entendeu, acha que entendeu "pra sempre", tipo, tá resolvido. E não é assim. Tudo muda o tempo todo no mundo. E o que era entendido passa a não ser mais. Mas o pior é quando a gente não se dá conta disso e acha que continua entendendo. Mas as coisas mudaram. E algo não encaixa. E não sabemos o que é. Até nos darmos conta de que precisamos re-entender. Ufa. A vida segue!

Dado esse preâmbulo, sigo com minhas mais novas descobertas sobre a dor.

Percebi que fui ensinada que dor é sinal de perigo, de alerta, de que algo não vai bem. Logo, se dói, é preciso "resolver" a dor. Alguns tomam analgésicos, outros aguentam mais um pouco até descobrir de onde ela vem, e aí tratá-la. Mas em ambos os casos a dor é encarada como sinal de que algo não vai bem. E não é só dor física. A lógica se aplica pra dor de cotovelo e outras tantas dores que dilaceram o coração, o orgulho, a alma. Há os que tapam o sol com a peneira e há os que vão investigar. Mas continuamos achando que a dor nada mais é do que um sinal de alerta, de que algo não vai bem.

Pois bem. Me parece, nesse meu novo entendimento sobre a dor, que a dor pode ser sim um sinal de alerta e coisa e tal, mas pode ser também uma mera consequência fisiológica de um processo absolutamente dentro dos conformes. Ah, mas se está dentro dos conformes, por que dói?! Porque faz parte. Porque é assim. E principalmente porque dor é uma coisa e sofrimento é outra. A dor, em determinados processos, é inevitável, faz parte, é assim mesmo. Já o sofrimento, esse é opcional. E a diferença pode estar justamente na forma como entendemos e encaramos e tratamos a dor. Há muito que reflito sobre isso e parece que uma nova peça se encaixou nesse enigma. É possível doer sem sofrer? Não só é possível, como essa dissociação pode ser a chave pra uma vida mais consciente, mais madura, mais alinhada e também, por consequência, mais leve e mais feliz.

Talvez você esteja cético sobre esses meus pensamentos, pedindo exemplos de situações onde a dor não é um sinal de que as coisas não vão bem. Vou te dar então o exemplo que me trouxe essa compreensão: o parto. (Ainda) não pari, mas foi num exercício preparatório, chamado epi-no, que me caiu a ficha. O negócio dói, e dói bastante. Mas tá tudo bem! E depois que passa, tudo continua bem (sem dor, inclusive). Num primeiro momento tive medo. O que aquela dor queria me dizer? Estaria eu fazendo alguma coisa errada? Consultei as pessoas que estão me orientando, consultei amigas que já usaram, e todas elas disseram que é assim mesmo. Que existe uma dor normal, aceitável, e que existe também uma dor que não pode acontecer, que seria sinal de que eu não estaria fazendo direito, ou estaria forçando a barra. O meu caso era o primeiro. Estava tudo certo e mesmo assim doía e com (quase) todo mundo dói.

E isso é só um exercício preparatório. Imagine o parto de verdade! Tem mulher que tem a coragem de falar que não sentiu dor no parto. Mas muitas, muitas, muitas contam que dói pra caramba. Mesmo quando o parto acontece de forma respeitosa, natural, na água, em casa, com massagem, com marido, com doula, à luz de velas e com sons da natureza. E aí, o que tem de errado com esses partos? Qual o alerta que a dor está dando? O que não vai bem? Alguns dizem que são nossos pecados que nos fazem doer. Outros dirão que o que não vai bem é a ideia insana de ter um filho, rs... mas nenhum desses argumentos me convence. Pra mim dói porque a dor faz parte. E pronto. Pode não fazer parte pra todas, mas se dói pra mim, faz parte pra mim. E tudo bem! Passa. Tudo passa.

Essa compreensão da dor pode nos dar um pouco mais de trabalho, porque incluímos uma nova variável no entendimento da dor. Se ela não é simplesmente um sinal de alerta, se ela pode ser parte normal de um processo normal, como saber quando é uma coisa e quando é outra?!

Estando atento e forte. Estando consciente. Estudando. Ampliando os horizontes. Saindo do mundinho binário onde ou é ou não é. Entendendo que tudo pode acontecer e que as coisas se transformam, transmutam. OTEMPOTODO!

E o que dizer então da dor de uma separação? Não é porque separou que "algo não vai bem". Às vezes, na grande maioria das vezes, separou porque tinha que separar, porque deu, porque morreu - e morrer é natural. Mas a dor faz parte. Separar dói, desgrudar dói (e o que seria um parto se não uma grande separação?!). Então deixa doer. E talvez o sofrimento apareça justamente quando a gente não quer deixar doer, mas não consegue, porque a dor é inevitável, e aí vem uma frustração, um sentimento de impotência, uma coisa de "como assim não vai parar de doer?", "como assim eu não estou no controle?".

O sofrimento também vem com o medo da dor. O medo de saber de onde vem a dor - "o que essa dor está querendo me dizer?!" - e o medo do que virá com aquela dor - "vou morrer, vou perder um pedaço". A todo momento o exemplo do parto volta, e penso que o parto é também uma forma de morte, de deixar de ser o que se era; é perder um pedaço, um que vira dois. E por algum motivo a gente tem medo disso, mas esse medo é uma crença, é um apego, é algo construído e não algo baseado em Leis, aquelas que regem a vida e que independem de nossas vontades, valores e conhecimentos.

Um outro insight sobre a dor, só pra não ficar naquela coisa de "é porque é", é que sua função, tanto em processos naturais, quanto em processos de alerta, é nos manter focados no processo. É um recurso extremo para que não desviemos um milímetro do olhar, da atenção. Se dói, preste atenção no que a dor indica E EM NADA MAIS. É essa a mensagem que escuto da dor. Lembrando que "prestar atenção" não é se afundar na dor, sofrer com a dor, se martirizar pela dor. E se forçamos a barra pra nos desviarmos da dor? Seja com analgésicos, seja com qualquer bobagem que nos distraia? Não quero ser alarmista, mas a mensagem que ouço da dor nessas horas é "eu voltarei. E voltarei mais forte!".

Sabe aquela coisa de "aceita que dói menos"? Eu não sei se dói menos - talvez sim, tanto em frequência quanto em intensidade - mas certamente sofre menos. Aceite a dor, siga as instruções da dor e ela te guiará pelos seus medos, pelas suas preocupações, pelas suas crenças. Não parece a mais agradável das viagens, mas pelo jeito não tem muita escapatória. Quem fica parado é poste! Vamo que vamo. Encare-os, medos, preocupações, inseguranças, crenças, todos, de cabeça erguida e coluna ereta. Não os abrace, não deixe com que medos, preocupações, inseguranças e crenças limitadoras tomem conta de você. Observe-os, conheça-os, trace um mapa. Não se canse. Você não precisa resolver tudo de uma vez; talvez até não precise resolver nada, apenas mudar sua postura diante dessa parte sombria do seu ser, que por algum motivo nos ensinaram a manter na sombra, a não mexer - pura crença! Solte as tensões do corpo, não há o que temer. Na verdade, há sim. Há que se temer apenas o auto-engano, a desatenção consigo, a falta de consciência sobre sua própria vida.

É preciso estar atento e forte. E se você não souber por onde começar, comece por suas dores.