quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

As relações trabalhistas e nossos resquícios escravocratas

Ontem fui ao clube e me informei sobre o procedimento pra cadastrar um acompanhante pra entrar com meu filho. Joaquim tem três anos, está prestes a ganhar um irmão, o verão está aí e preciso contar com pessoas pra levá-lo passear no clube, coisa que ele adora fazer.

Quando li o formulário e as regras, tudo dentro do previsto, mas confesso que gostaria de ter me espantado. Digo isso porque eu já esperava me deparar com alguns absurdos, mas isso não me isenta de um grande incômodo, uma certa indignação e a vontade de sair por aí perguntando pras pessoas "por quê?!?!?".


Ok, apresentar RG, básico. Agora, não utilizar piscina? Não tomar sol? Não utilizar traje de banho? Por que, por que, por quêêêêêê?!?!?! Essa pessoa vai levar meu filho ao clube principalmente pra brincar na piscina. Ela precisa utilizar a piscina. Não pra ficar lá folgadona enquanto eu pago o salário dela, mas porque ela está cuidando e fazendo companhia pra essa criança, precisa interagir, precisa entrar na água, enfim, precisa de liberdade de movimento, precisa se sentir à vontade pra desempenhar o papel de cuidadora. E nesse caso, o melhor é que esteja em traje de banho, como uma pessoa normal. E por que não poderia tomar sol? Qual o problema?!?!

Sério, gente, quero ver quem tem coragem de dizer o que eu acho que pensam quando fazem ou fazem cumprir regras desse tipo.

Eu me sentiria envergonhada, constrangida, se tivesse que orientar a babá a cumprir essas regras. Minha vontade é de orientar explicitamente a não cumprir, agindo de forma natural, fazendo o que precisar fazer para desempenhar bem sua função. Mas e aí, se vem aquele funcionário, todo cheio de razões, chamar a atenção da pessoa? Eu posso até ser a responsável e receber as penalidades, mas ali, na hora, quem vai passar o constrangimento de "ser colocada no seu devido lugar" é ela. Tenho o direito de expô-la a isso? Acho que é algo a se conversar de antemão, alertando-a do que pode acontecer e dizendo que temos sim o direito de questionar as regras e o dever de não ficarmos caladas diante do que achamos injusto ou sem sentido. Numa boa, sem briga e estando disposta a arcar com as consequências, sem que isso a humilhe, mas pelo contrário, estando segura de sua integridade ao não se deixar ser humilhada por regras escravocratas.

Poderíamos ir mais fundo e questionar a própria existência de um clube privado; poderíamos também nos resignar às regras, numa coisa de "se quer ser sócio é assim que funciona". Mas não. Meu instinto provocador não consegue se conformar a tal ponto. Posso até vir a deixar de frequentar o clube, mas não sem antes cutucar preconceitos, questionar regras antiquadas e usar a oportunidade para  repensar nossos valores, nossas atitudes. Ainda mais quando se trata dos exemplos que estamos dando às crianças.

Fico no aguardo de um BOM argumento que sustente essas regras. E enquanto ele não chegar, não as cumprirei. E também não vou abandonar a causa facilmente. Não vou me conformar que "ah, clube é assim mesmo, antro da burguesia"; Não, pessoal, eu devo isso a meus filhos. Não vou engolir esse pacote de preconceito e desrespeito.


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Trilogia das águas

Você que me lê sabe que eu gosto de planejar as coisas. Pra mim é uma forma de fazer a experiência "render", já vivenciando antes algumas sensações, mergulhando devagar naquilo que está por vir. Mas tenho aprendido a me libertar dos planejamentos e tem sido fascinante viver o inesperado, reconhecer os planos ocultos e me entregar ao correr das águas.

Pois sim, as águas.

Nessa gestação do Jorge tive três encontros muito significativos com as águas. E foi no último que me dei conta dessa trilogia, ou seja, não foi planejada. Aconteceu. E uma das coisas lindas de quando as coisas acontecem naturalmente é que quando elas se revelam a gente solta aquele "ooohhhh" de admiração, espanto, maravilhamento.

O primeiro episódio eu já contei aqui. Foi um banho de cachoeira pra lá de especial, cheio de ritos de conexão com a natureza e com o feminino. Foi algo que eu desejei, que se mostrou e que eu agarrei. Porque a diferença entre planejar e deixar rolar, pra mim, é mais por aí. O deixar rolar não é algo solto, desconexo. Deixar rolar é enviar intenções e estar atento aos desenrolares, fluindo junto, agindo junto. Planejar estaria mais para algo que sentenciamos e "forçamos" a acontecer... por isso tem um alto risco de acabar em frustração. Afinal, por mais força que tenhamos, não somos mais fortes que o fluxo da Vida; não temos como saber de antemão os meandros por onde ele vai nos levar...


O segundo episódio da trilogia veio no embalo do primeiro. Foi um banho Hammam, o tradicional banho turco, que é composto por banho de vapor (ou sauna úmida cá pra nós, mas que eu não fiz porque não é indicado na gestação), banho de imersão (ah, nesse eu me esbaldei! Fiquei lá de moooooolho, sentindo a leveza da barriga boiando) e banho de espuma, que é aplicado por uma terapeuta e inclui uma esfoliação, a espuma e uma massagem. Coisa dos deuses! Digo que veio no embalo do primeiro porque antes do banho de cachoeira, minha intenção era fazer um Hammam, aí surgiu a cachoeira e ela me levou, mas quando contei a história, a minha amiga Marina, que tem o único SPA no Brasil que oferece banho Hammam, o Azahar SPA, me presenteou com esse banho! Mais do que isso: presenteou a mim e ao PC (marido) com o banho e com a companhia dela e do marido. Coisa linda demais passar uma tarde com esses amigos queridos, em puro deleite, cuidado e alegria! O coração transborda de gratidão e merecimento...





E o terceiro episódio foi uma sessão de Watsu! Quem me recomendou e colocou em contato com a terapeuta foi minha doula. Eu nunca tinha feito e nem sabia como era, mas fui porque sabia que era bom, rs... e como foi! A sessão dura uma hora, numa piscina quentinha, de olhos fechados, sem tocar os pés no chão, como o corpo completamente entregue aos braços da terapeuta. Se quiser saber mais, faça! Nem sei "pra que que serve", só sei que é uma sensação maravilhosa de entrega, leveza e de estar sendo cuidada e amparada.

(essa imagem é do Google, rs... só pra ilustrar)

E agora no final, quando a trilogia se apresentou, percebi que uma mãe terra gestando um filho fogo precisaria mesmo do amparo das águas... fazer-me barro para então deixar-me queimar, na eterna transmutação alquímica da Vida.




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Relato de pré parto

Já faz um pouco mais de duas semanas que estou em "trabalho de parto". Calma, rs... as aspas justificam-se. É que desde que estava na 37a. semana de gestação comecei a preparar o cenário, o figurino, a iluminação, a sonoplastia... até o roteiro para o tal do grande dia! E dá trabalho, né? Desde então muitos ajustes já precisaram ser feitos e a cada dia que passa um detalhe é adicionado. E parece que se eu viver toda uma vida pra esse preparativo, sempre terá alguma coisa a ser mexida, adicionada, repensada, transformada.

Tem sido bem interessante e um tanto quanto intenso. Muito, muito trabalho interior. Muitas descobertas de recônditos escondidos de minh´alma. Fico pensando nas coisas que vou escrever sobre esse parto. Fico pensando em como vou contar, que tom vou dar, que cores vou usar. E me pego num sentimento de que as experiências só são completas pra mim quando escrevo sobre elas. Ora pois, o que estou esperando então?! Vou começar já a contar o que está se passando por aqui!

Mas inevitavelmente penso "e se for uma cesárea?!". O primeiro reflexo é pensar que se for uma cesárea terá sido um fracasso de tudo o que eu quero contar. Por que eu vou contar toda orgulhosa sobre os insights que tive, se "no fim não deu certo"?! Tá, tá bom. Se eu sair dessa inteira o suficiente pra contar alguma coisa, terá dado certo. Tá, tá bom, o que importa é que mãe e bebê estejam bem. Eu sei, eu já passei por isso. Eu já passei por um sonho de parto natural que acabou numa cesárea que acabou bem.

Não que eu estar bem e meu filho estar bem sejam um prêmio de consolação. Longe disso. Não é um consolo, é um objetivo. Estarmos bem. Então não terá dado errado. E poderei falar tranquilamente dos meus insights pré-parto, rs...

Ao mesmo tempo parece que os "aprendizados" que venho tendo só serão validados se o desfecho for do jeito que eu quero. Algo como, ok, eu até deixo a vida me ensinar, mas eu tenho que criar um sistema de avaliação e indicadores quali-quantitativos pra verificar se aprendi mesmo!

E agora?

Tenho ouvido tanto sobre isso nos últimos anos. Sobre a importância de descondicionar, de abrir mão do controle (ou da ilusão do controle), de olhar e sentir o agora, de agir conforme o agora e não conforme regras e métodos pré-estabelecidos. Isso é tão fundamental ao lidar com crianças pequenas! Desde o parto... ah, o parto!

Não quero que o parto transforme-se num indicador. Mesmo porque, se acontecer de ser um parto natural, será esse meu diploma?! Vou sair por aí dizendo "olha, é importante descondicionar, abrir mão do controle, viver o agora", com um carimbo "parto natural" embaixo?! Não dá, né?

Então falo agora, com ou sem parto, com ou sem cesárea: é importante descondicionar, abrir mão do controle, viver o agora! E quem sou eu pra dizer isso? Qual é meu currículo? Quais são meus diplomas? Poderia dizer que minhas cicatrizes são meus diplomas. Poderia dizer que minha vida é meu currículo. Mas pra quê? Que importância isso tem? Por que eu preciso ter - e provar - credibilidade pra você?

Eu não quero provar nada pra ninguém. Eu não quero ser exemplo de nada. Não mesmo.

Eu quero que minha vida interesse a você assim como qualquer vida deveria interessar a qualquer ser vivo. Eu conto da minha vida pra me ouvir contando. Porque eu gosto, porque quando me ouço, cresço. E conto também pra quem sabe ter com quem conversar, e conhecer novas vidas e novas faces dessas vidas. Porque isso me fascina.

A Vida me fascina, me encanta, me surpreende, me entretém, me dá ideias, me cria hipóteses, me faz testá-las. E como é bom fazer isso com a seriedade e o descompromisso de uma criança. Enquanto alguém paga minhas contas. Mas o que tem a ver uma coisa com a outra?! Estou chegando perto disso também... desse tabu de não trabalhar, dessa sensação de que o trabalho é sagrado demais pra ser trocado por dinheiro. Eita! Quanta coisa foi aparecendo enquanto fui escrevendo!!!

Mas por enquanto vou ficando por aqui... com essa questão do trabalho pairando no ar. O trabalho, que abriu esse texto e que o fecha.

Por enquanto.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Entendendo a dor

Antes de mais nada, entender é ilusão. Porque quando a gente acha que entendeu, acha que entendeu "pra sempre", tipo, tá resolvido. E não é assim. Tudo muda o tempo todo no mundo. E o que era entendido passa a não ser mais. Mas o pior é quando a gente não se dá conta disso e acha que continua entendendo. Mas as coisas mudaram. E algo não encaixa. E não sabemos o que é. Até nos darmos conta de que precisamos re-entender. Ufa. A vida segue!

Dado esse preâmbulo, sigo com minhas mais novas descobertas sobre a dor.

Percebi que fui ensinada que dor é sinal de perigo, de alerta, de que algo não vai bem. Logo, se dói, é preciso "resolver" a dor. Alguns tomam analgésicos, outros aguentam mais um pouco até descobrir de onde ela vem, e aí tratá-la. Mas em ambos os casos a dor é encarada como sinal de que algo não vai bem. E não é só dor física. A lógica se aplica pra dor de cotovelo e outras tantas dores que dilaceram o coração, o orgulho, a alma. Há os que tapam o sol com a peneira e há os que vão investigar. Mas continuamos achando que a dor nada mais é do que um sinal de alerta, de que algo não vai bem.

Pois bem. Me parece, nesse meu novo entendimento sobre a dor, que a dor pode ser sim um sinal de alerta e coisa e tal, mas pode ser também uma mera consequência fisiológica de um processo absolutamente dentro dos conformes. Ah, mas se está dentro dos conformes, por que dói?! Porque faz parte. Porque é assim. E principalmente porque dor é uma coisa e sofrimento é outra. A dor, em determinados processos, é inevitável, faz parte, é assim mesmo. Já o sofrimento, esse é opcional. E a diferença pode estar justamente na forma como entendemos e encaramos e tratamos a dor. Há muito que reflito sobre isso e parece que uma nova peça se encaixou nesse enigma. É possível doer sem sofrer? Não só é possível, como essa dissociação pode ser a chave pra uma vida mais consciente, mais madura, mais alinhada e também, por consequência, mais leve e mais feliz.

Talvez você esteja cético sobre esses meus pensamentos, pedindo exemplos de situações onde a dor não é um sinal de que as coisas não vão bem. Vou te dar então o exemplo que me trouxe essa compreensão: o parto. (Ainda) não pari, mas foi num exercício preparatório, chamado epi-no, que me caiu a ficha. O negócio dói, e dói bastante. Mas tá tudo bem! E depois que passa, tudo continua bem (sem dor, inclusive). Num primeiro momento tive medo. O que aquela dor queria me dizer? Estaria eu fazendo alguma coisa errada? Consultei as pessoas que estão me orientando, consultei amigas que já usaram, e todas elas disseram que é assim mesmo. Que existe uma dor normal, aceitável, e que existe também uma dor que não pode acontecer, que seria sinal de que eu não estaria fazendo direito, ou estaria forçando a barra. O meu caso era o primeiro. Estava tudo certo e mesmo assim doía e com (quase) todo mundo dói.

E isso é só um exercício preparatório. Imagine o parto de verdade! Tem mulher que tem a coragem de falar que não sentiu dor no parto. Mas muitas, muitas, muitas contam que dói pra caramba. Mesmo quando o parto acontece de forma respeitosa, natural, na água, em casa, com massagem, com marido, com doula, à luz de velas e com sons da natureza. E aí, o que tem de errado com esses partos? Qual o alerta que a dor está dando? O que não vai bem? Alguns dizem que são nossos pecados que nos fazem doer. Outros dirão que o que não vai bem é a ideia insana de ter um filho, rs... mas nenhum desses argumentos me convence. Pra mim dói porque a dor faz parte. E pronto. Pode não fazer parte pra todas, mas se dói pra mim, faz parte pra mim. E tudo bem! Passa. Tudo passa.

Essa compreensão da dor pode nos dar um pouco mais de trabalho, porque incluímos uma nova variável no entendimento da dor. Se ela não é simplesmente um sinal de alerta, se ela pode ser parte normal de um processo normal, como saber quando é uma coisa e quando é outra?!

Estando atento e forte. Estando consciente. Estudando. Ampliando os horizontes. Saindo do mundinho binário onde ou é ou não é. Entendendo que tudo pode acontecer e que as coisas se transformam, transmutam. OTEMPOTODO!

E o que dizer então da dor de uma separação? Não é porque separou que "algo não vai bem". Às vezes, na grande maioria das vezes, separou porque tinha que separar, porque deu, porque morreu - e morrer é natural. Mas a dor faz parte. Separar dói, desgrudar dói (e o que seria um parto se não uma grande separação?!). Então deixa doer. E talvez o sofrimento apareça justamente quando a gente não quer deixar doer, mas não consegue, porque a dor é inevitável, e aí vem uma frustração, um sentimento de impotência, uma coisa de "como assim não vai parar de doer?", "como assim eu não estou no controle?".

O sofrimento também vem com o medo da dor. O medo de saber de onde vem a dor - "o que essa dor está querendo me dizer?!" - e o medo do que virá com aquela dor - "vou morrer, vou perder um pedaço". A todo momento o exemplo do parto volta, e penso que o parto é também uma forma de morte, de deixar de ser o que se era; é perder um pedaço, um que vira dois. E por algum motivo a gente tem medo disso, mas esse medo é uma crença, é um apego, é algo construído e não algo baseado em Leis, aquelas que regem a vida e que independem de nossas vontades, valores e conhecimentos.

Um outro insight sobre a dor, só pra não ficar naquela coisa de "é porque é", é que sua função, tanto em processos naturais, quanto em processos de alerta, é nos manter focados no processo. É um recurso extremo para que não desviemos um milímetro do olhar, da atenção. Se dói, preste atenção no que a dor indica E EM NADA MAIS. É essa a mensagem que escuto da dor. Lembrando que "prestar atenção" não é se afundar na dor, sofrer com a dor, se martirizar pela dor. E se forçamos a barra pra nos desviarmos da dor? Seja com analgésicos, seja com qualquer bobagem que nos distraia? Não quero ser alarmista, mas a mensagem que ouço da dor nessas horas é "eu voltarei. E voltarei mais forte!".

Sabe aquela coisa de "aceita que dói menos"? Eu não sei se dói menos - talvez sim, tanto em frequência quanto em intensidade - mas certamente sofre menos. Aceite a dor, siga as instruções da dor e ela te guiará pelos seus medos, pelas suas preocupações, pelas suas crenças. Não parece a mais agradável das viagens, mas pelo jeito não tem muita escapatória. Quem fica parado é poste! Vamo que vamo. Encare-os, medos, preocupações, inseguranças, crenças, todos, de cabeça erguida e coluna ereta. Não os abrace, não deixe com que medos, preocupações, inseguranças e crenças limitadoras tomem conta de você. Observe-os, conheça-os, trace um mapa. Não se canse. Você não precisa resolver tudo de uma vez; talvez até não precise resolver nada, apenas mudar sua postura diante dessa parte sombria do seu ser, que por algum motivo nos ensinaram a manter na sombra, a não mexer - pura crença! Solte as tensões do corpo, não há o que temer. Na verdade, há sim. Há que se temer apenas o auto-engano, a desatenção consigo, a falta de consciência sobre sua própria vida.

É preciso estar atento e forte. E se você não souber por onde começar, comece por suas dores.



terça-feira, 18 de outubro de 2016

Primeiro Just So Brasil: Nós Fomos!!!

Aconteceu nesse fim de semana o primeiro Just So Brasil! O Just So é um festival de artes e campismo para famílias, que começou no Reino Unido há seis anos e que agora, graças a três mães corajosas e empreendedoras, acontece também por aqui!

Tive o privilégio de acompanhar de perto os preparativos, desde o começo do ano, quando o bonde já estava andando, mas ainda deu tempo de ajudar e me envolver nessa proposta que me cativou desde o primeiro instante que tomei conhecimento, através de uma dessas mães pioneiras, a Joana, que é prima do meu cunhado (ou melhor, concunhado, eita título estranho, rs...), enfim, aquelas cadeias de relações que a vida nos presenteia e que quem é sabido gratamente aceita.

Logo conheci a Maíra e a Isabela e fui me infiltrando no movimento. Elas me perguntaram o que eu sabia fazer, pra oferecer no evento, e falei das minhas habilidades manuais com crochê e também das minhas habilidades nas escritas, pra ajudar na divulgação. Fui ajudando como pude, entre uma gestação bastante desconfortável, um filho pequeno pra cuidar e uma obra em andamento.

O lema do festival foi "Somos Aventureiros" e não poderia haver um mais adequado. A começar pelas meninas - Maíra, Joana e Isabela, e a Roberta, que um pouco depois se juntou ao time de empreendedoras - as mais aventureiras de todos, que encararam o desafio de fazer um evento dessa magnitude e desse grau de novidade, sem patrocínio, contando principalmente com algumas doações, muito trabalho voluntário e a incerta renda da venda dos ingressos.


Eu também fui uma aventureira ao criar duas oficinas pra oferecer no festival, uma com fios e mãos e outra com fios e gravetos, atividades que eu nunca havia feito na vida e que consegui fazer duas ou três experiências piloto entre amigos e no Festival Arte Serrinha, também infiltrada no movimento, assim meio cara de pau, rs...

Fui uma aventureira também ao manter o combinado depois de me saber grávida e contando que estaria com trinta e tantas semanas na data do festival.


E nesse fim de semana encontrei muitos, muitos aventureiros, pais, mães, avós, avôs, bebês e crianças de todas as idades, artistas, cozinheiros e os mais diversos profissionais que se desdobraram pra nos proporcionar diversão com conforto e segurança. Tem coisas pra melhorar? Claro que tem, muitas, sempre, e essa é a graça da vida. Fazer, avaliar, mudar, refazer, seguir.

Tenho certeza de que todos que participaram dessa primeira edição do Just So Brasil voltaram pra casa com muitos pensamentos do tipo "ano que vem vou fazer assim ou assado". Muitos também devem ter voltado com vontade de falar pra organização que tal coisa não funcionou e que tal coisa seria melhor se fosse feita de tal jeito. Sugiro que você realmente fale. Use a grande diversidade de canais de comunicação que temos disponível e faça chegar à Joana, à Isabela, à Maíra e à Roberta o que você achou do festival. Eu estou preparando a minha listinha, com muito amor, pra dar esse feedback.

Por aqui só quero dizer que foi lindo, que foi mágico, que tenho uma admiração enorme por todos que trabalharam e participaram pra que esse sonho acontecesse.


E quero dizer também que apesar da chuva torrencial nos três dias que antecederam o festival (e que atrasou grande parte da montagem), do calor escaldante nos dois dias que o festival aconteceu (que deixa a todos mais cansados) e das longas filas pra comer (acho que a primeira deliberação de melhora pro ano que vem...), vi todo mundo curtindo numa boa, se ajudando, sendo cordial. Vi uma ou duas crianças em estados de crise de choro e cansaço, e olha que tinha criança lá! Não vi nenhum pai e nenhuma mãe levantando a voz. Vi muito colo, vi muito sorriso, vi muito abraço.













Claro que essa é a minha lente, o meu filtro. Não teria como eu ter olhos para tudo e para todos... só sei que me senti muito bem por lá, com barrigão e tudo!

As oficinas que ofereci tiveram uma participação que superou minhas expectativas, foi muito gratificante! Tenho sim já mil ideias pra melhorar em próximas edições, mas fiquei bem satisfeita com a estreia :)





A Duda e a Júlia fizeram a oficina de manhã e voltaram pra fazer de novo à tarde. Chegaram uma hora mais cedo e me ajudaram cortando TODOS os moldes que eu precisava!!! Muito queridas!







Outra coisa que foi legal perceber foi o interesse dos meninos e também a participação dos pais, fazendo junto com os filhos, bem no clima que a gente queria, de convívio familiar, de diversão e descobertas juntos!



Muitas das fotos que ilustram essa postagem foram tiradas pelo Lelo e pela Thássia, pais da Luna e nossos super companheiros de aventuras, desde antes da chegada dos filhotes e agora mais do que nunca, na maior aventura da vida, que é criar os filhos!





terça-feira, 11 de outubro de 2016

Chá de mim

Quando estava esperando o Joaquim cumpri todo o protocolo gestante e organizei um mega chá de bebê. Do meu jeito, claro, cheio de invencionices carolinísticas, mas um chá de bebê. Confesso que foi um tanto traumático, foi muito cansativo administrar tudo e mais um pouco com uma barriga já bem grandinha. Por mais que a gente tente facilitar, é cansativo e/ou caro! E como as energias - físicas e monetárias - estão todas indo pra construção da nossa casa, além de já termos o enxoval que guardei do Joaquim, vi que não faria o menor sentido inventar de fazer um chá de bebê. Mas ao mesmo tempo eu queria me dar um presente, uma ocasião especial de prazer e alegria... resolvi então fazer um Chá de Mim!

Isso mesmo, pensei: o que eu gosto muito de fazer, posso fazer agora, mas ficará difícil - ou impossível - nos primeiros meses com o Jorge?! Logo me veio à mente o banho Hammam do Azahar Spa, que é a minha top referência quando penso em "dia de rainha". E é algo que não dá pra se entregar por completo se tem um recém-nascido mamando em livre demanda... eu já estava quase marcando a data quando vi uma postagem da Dúnia La Luna, que é uma verdadeira feiticeira dos saberes femininos, com quem já fiz uma oficina de Medicinas Lunares e me encantei (nota especial das sincronicidades da vida: nessa oficina eu já estava grávida e nem desconfiava! E foi muito, muito mágica!). Pois bem, a postagem da Dúnia era sobre o Banho Medicina e li também no blog dela um texto lindo sobre banhos, que me cativou completamente, louca por banhos que sou!

O chamado da Natureza também falou alto. Ouvi meu corpo pedindo pra pisar na terra, nas folhas, estar sob árvores, sentir a água fria e pulsante da cachoeira, sentir o sol na pele. Como temos viajado muito pouco ultimamente percebi que precisava me abastecer de Natureza. Deixei então o Hammam de lado, não sem um certo pesar, mas a vida é feita de escolhas...

Falei com a Dúnia, acertamos os detalhes, e lá fui eu pelas lindas estradas de Joanópolis até a Casa Hetaira.

Como cheguei um pouco tarde, ela já havia preparado nosso café da manhã pra fazermos um piquenique na beira da cachoeira. E aqui vale lembrar que a Dúnia é casada com o Marcelo Papi, um cozinheiro talentosíssimo, que faz uns pães de fermentação natural e outras delícias e ele que se encarrega do café da manhã e do almoço, que merecem um relato à parte! Aguarde...

Preparamos as poções, colhemos algumas ervas e lá fomos nós. O dia estava incrível! Céu azul, sol, verdes brilhando por toda parte.

Ao chegar na cachoeira fizemos uma breve meditação e a Dúnia arrumou a mesa do lanche, que era uma mesa de pedra com musgos, coisa de fada. Tudo tão, mas tão lindo e tão apetitoso pra essa taurina comilona! Frutas, pães (de três tipos!), geleia, coalhada seca, requeijão de leite de cabra, bolinhos, chá. Tudo caseiro, tudo exalando aquele aroma de cuidado e amor que me encheu o coração de alegria por merecer tantos mimos.


Logo em seguida fomos pro ritual. Sentamos na grama, montamos uma mandala com as ervas, flores, poções, argila e oráculos. Tem uma sensibilização, um despertar do corpo, a abertura das cartas. Depois sentamos numa pedra à beira d´água e começamos o banho, com águas perfumadas, ervas, argila... cuidando dos cabelos, da pele. Folhas, pedra, água, sol. Uma simplicidade tão rica, tão profunda.


É chegada a hora de mergulhar. Água gelaaaaaaada!!! Daquelas que faz com que cada célula do seu corpo fique esperta! Que faz o sangue correr rápido e nos lembrar da vida que pulsa dentro da gente.


Sentir a pedra lisa, lavada, esculpida. A água correndo forte e rápida. E eu lá no meio, parte integrante do cenário; daquele cenário que me nutre e me lembra de onde venho.


No final secamos ao sol e finalizamos com as hidratações, massageando a pele, sentindo aromas de óleos essenciais, cobrindo o corpo de cuidado e amor.

Na volta pra casa o Marcelo estava finalizando o almoço, digno de chef, com prato lindo e tudo. Nem vou me atrever a descrever, só sei que estava delicioso! Risoto, cogumelos, abobrinha, brócolis - mas de um jeito que não é aquele que a gente faz em casa, rs... Comemos à sombra de uma árvore, com aquela luz gostosa da tarde



Voltei pra casa renovada, feliz, agradecida! E ainda ganhei de brinde um ensaio fotográfico de gestante que eu jamais teria coragem de fazer, nem na primeira, nem na segunda gravidez, hihihi!





sexta-feira, 30 de setembro de 2016

História de dois irmãos

A entrada de um novo integrante na família dá pano pra manga. Jorge ainda está na barriga e já tenho milhões de encanações, dúvidas, inseguranças, tanto em relação a mim mesma e minha relação com ele, quanto na minha relação com o Joaquim, que está com 3 anos e meio, na relação do Joaquim com o irmão, do pai com o novo filho, do pai com o filho mais velho, do pai comigo, enfim, tudo o que diz respeito a todas as linhas que podem unir esses 4 pontos.

E nesse emaranhado todo tem uma história que já me ajudou muito com o Joaquim, que é a história antroposófica do nascimento, que é contada pra criança nos seus aniversários. Lá no final tem a história completa, mas a ideia é que as crianças, antes de nascerem, moravam no Castelo das Nuvens e eram cuidadas pelos anjos. De lá do Castelo as crianças observam a Terra e escolhem suas famílias.

Antes de ficar grávida já falávamos com o Joaquim sobre um irmão e ele às vezes perguntava "cadê meu irmão", então eu respondia que ele estava no Castelo das Nuvens. Outro dia, já com o Jorge na barriga, não lembro exatamente o contexto, mas eu contei pro Joaquim que ele e o Jorge moravam juntos no Castelo das Nuvens, que eles eram muito amigos e que eles escolheram juntos a nossa família. E que eles decidiram juntos que o Joaquim viria primeiro e o Jorge depois. Eu disse que o Joaquim foi muito corajoso escolhendo vir primeiro - "por quê?!" - porque ele foi um desbravador, ele veio ensinar à mamãe e ao papai o que é ser mãe e o que é ser pai; logo em seguida eu disse que o Jorge também foi muito corajoso por esperar pra vir depois  - "por quê?!" - porque ele topou entrar numa família que já tinha um filho, onde ele não seria o centro de todos os cuidados. Eu disse ainda que o Joaquim confiou no Jorge, que ele viria depois pra lhe fazer companhia, e que o Jorge confiou no Joaquim, que ele se lembraria dele e que continuariam sendo grandes amigos.

Conforme eu ia contando os olhos do Joaquim ficavam grandes e interessados. A boca só abria pra perguntar os onipresentes porquês e no final das frases falava "É?". Senti que a história foi muito importante pra ele, fez muito sentido. E foi fazendo, assim de improviso, muito sentido pra mim também, claro, pois acredito na ancestralidade das irmandades, nos encontros de almas e na eternidade das histórias.

Senti que depois de contar essa história o emaranhado de linhas foi virando um lindo desenho estrelado, que me inspirou a buscar um pouco mais sobre a chegada de um irmão, e aí lembrei da Laura Gutman. Algumas frases muito simples ajudaram a sossegar meu coração e a enxergar com mais graça e leveza a dádiva que é ter o segundo filho:

"Acreditar que a chegada de um irmão vai despertar, obrigatoriamente, uma cascata de ciúmes nos filhos mais velhos é fruto de um preconceito inventado e mantido pelos adultos"

"A verdade é que não há nada mais maravilhoso que o nascimento de um irmão, o ser mais parecido, mas próximo, mas 'irmanado' que teremos ao longo da vida"

Conversar com a minha médica também ajudou muito a dissolver essa crença de que "a chegada do irmão desencadeia ciúme e competição"  - e como é bom ter uma médica com quem conversar sobre esse tipo de coisa!

Conversar com a minha doula também tem ajudado a situar minhas inseguranças e ansiedades - e como é bom poder contar com uma doula!

E ninguém vai me fazer (voltar a) acreditar que a chegada do irmão vai ser um tsunami na vida do Joaquim. Se você passou por isso, enquanto mãe ou pai, só peço um favor: não me diga "ah, agora tudo lindo, mas você vai ver só quando nascer". Simplesmente não diga.


Segue a história do nascimento, que me foi passada pela minha cunhada e comadre, super mãe Waldorf!

Lá no céu tem um Castelo, um castelo muito belo.

Nesse Castelo haviam 7 Crianças Estrela, e uma dessas crianças já estava com o pezinho para fora da porta do Castelo, quando o Anjo Maior perguntou:
- Aonde você vai Criança Estrela?
- Quero ir à Terra, Anjo Maior.
- Ah, muito bem. Mas você já sabe onde ir? É preciso escolher um lugar.

E a Criança Estrela abriu uma janela do Castelo, olhou lá para baixo e avistou um lugar todo branquinho, gelado, igual sorvete. Era o Alaska.

Rapidamente fechou a janela e disse:
- Não, não, não, nesse lugar eu não quero ir. Faz muito frio! Vou escolher outro lugar.

Abriu outra janela, olhou lá para baixo e avistou um lugar todo amarelinho, onde fazia muito calor. Avistou também bichos engraçados de pescoços compridos... Era a África. Fechou a janela rapidamente e disse:
-  Alí eu também não quero descer não. É muito quente!

Abriu a terceira janela e avistou um lugar todo verdinho, com muitos pássaros coloridos e frutas saborosas. Era o Brasil! O clima era fresquinho. A Criança Estrela se alegrou e disse ao Anjo Maior:
- É alí que eu quero descer!

O Anjo Maior então recomendou:
- Agora você precisa escolher um Papai e uma Mamãe pra você!

A Criança Estrela então olhou novamente para baixo, lá no lugar onde tinha escolhido e foi vendo muitas casinhas com pessoas dentro... E numa dessas casinhas, avistou um belo moço que se chamava Paulo Cesar que vivia muito feliz com uma linda moça chamada Carolina.

Eles se amavam muito e todas as noites rezavam olhando para as estrelas do céu pedindo que um dia pudessem ganhar uma linda criança de presente.

A criança estrela se alegrou e disse ao Anjo Maior:
- Já escolhi minha Mamãe e meu Papai!

O Anjo Maior satisfeito chegou bem perto da criança e disse assim:
- Agora, você já pode ir Criança Estrela. Vou retirar sua asas e guarda-las aqui comigo para quando você voltar. Desça pelo arco-íris e boa viagem!

Então a Criança Estrela desceu do céu pelo arco-iris e fez uma linda viagem chegando aqui na Terra nos braços da Mamãe e do Papai.

Os pais olharam muito felizes para a criança e disseram:
- Vai se chamar Joaquim! E de tanta alegria e emoção cantaram para ela:

"Neste dia você nasceu
E a nossa vida alegrou
Trazendo luz

Hoje vamos comemorar
Tudo o que a vida nos dá
Com muito amor"


sábado, 20 de agosto de 2016

Limites e fluxo na lida com crianças pequenas

De uns dois anos pra cá tenho me envolvido com abordagens bem libertadoras da Vida. O conceito de fluxo, a observação dos paradigmas (os que vivemos, os que nos impõem, os que queremos e será que precisamos mesmo de paradigmas?!). Com isso vem uma nova ótica de respeito ao corpo, às vontades, aos instintos, às intuições - e um claro pé atrás com as instituições, com as tradições, com as regras, com o "mas sempre foi assim!". Vem também toda uma revisão das crenças ou, antes, uma atenção em identificar o que é crença e o que é Lei, assim mesmo, com L maiúsculo, pois me refiro às Leis da Vida, e não a essas que inventamos por aí pra tentar exercer um ilusório controle, uma ilusória organização.

Trazendo esses conceitos e essas práticas pra minha vida tudo ficou bem mais leve. O agora assumiu um novo brilho e pude sentir finalmente o que havia buscado por anos em meditações e práticas yôguis.

Só que na relação com meu filho pequeno, agora com 3 anos, tinha algo que não encaixava. A máxima zen budista - comer quando tem fome e dormir quando tem sono - que eu amo e conheço desde criança, e que tem tudo a ver com essa onda que tenho descoberto agora, simplesmente não funcionava quando eu tentava aplicá-la com o Joaquim. Funcionou no começo, quando o comer era amamentação em livre demanda e quando o sono era embalado pelo peito. Era lindo, fluía.

Mas nas transformações dos 2 anos, 3 anos, percebi que eu não podia simplesmente deixar com que ele regulasse seu corpo, ou melhor, com que ele tivesse a responsabilidade de identificar sozinho as necessidades do seu corpo, do seu ser em formação, e as atendesse, ou pelo menos as comunicasse. Olhando em retrospecto me sinto tão ingênua, negligente até; Eu queria que o Joaquim, ao sentir forme, identificasse que era fome e me falasse que estava com fome. Ok, de preparar e oferecer a comida eu me encarregaria, rs... a mesma coisa com o sono. Como demorei pra me dar conta do tamanho da tarefa que eu estava depositando nas mãozinhas rechonchudas dele. Mas, poxa, é tão difícil assim perceber que está com fome?! Que está com sono?! E simplesmente falar? Você já tem uma pessoa ali ao seu dispor pra fazer tudo o que for preciso, você só precisa falar. Mas sim, é uma grande tarefa...

E agora, refletindo sobre isso, estou entendendo que "viver no fluxo" não é simplesmente "deixar rolar", mas é estar atento e forte. No caso do meu desafio particular, e que imagino que seja o desafio de 99% das mães e pais, quando lidamos com uma criança pequena precisamos redobrar a atenção, precisamos estar atentos a eles, precisamos decifrar códigos, ler sinais, farejar. A comunicação não é (só) verbal, a comunicação é muito sutil e a "vida adulta" nos acostuma muito mal a identificar as sutilezas. Essa atenção toda talvez canse, mas o cansaço é um sinal de que estamos saindo do fluxo (!). Por isso que precisamos também estar fortes. Precisamos nos abastecer, nos revigorar, nos arejar. Precisamos aliviar a tensão dos ombros e deixar o corpo leve. O corpo molinho entra no fluxo. Mas o corpo tem que estar molinho E energizado, porque senão cai na preguiça, na inércia, no "deixa rolar". É um estado entre o sono e a vigília, uma combinação alquímica, uma medida exata e perfeita. E o mais maluco - e óbvio - é que essa combinação também flui. Não se trata de uma fórmula a ser encontrada, mas sim de um "estado" a ser cultivado. O tal do "estado de presença".

Talvez dizendo assim você possa achar tudo confuso e muito complicado. Desculpa. Não é essa a ideia. O grande barato é na verdade cultivar esse estado de presença, encontrar essa combinação alquímica entre leveza e atenção. Com leveza e atenção. Pra mim tem sido lindo, mágico, excitante. Me sinto uma criança descobrindo o mundo. Aquela coisa que o Gaarder fala no Mundo de Sofia: viver na ponta do pelo do coelho (aqui um texto que escrevi há anos onde fiz a mesma citação e aqui a citação original do livro).

Antes de prosseguir, uma ressalva: essa coisa linda, mágica e excitante inclui momentos de profundo desespero, inclui gritos, inclui choro, inclui dúvidas. Numa frequência cada vez menor - e intensidade nem tanto. Imagino que nunca deixarão de existir... outra hora falo sobre isso, mas só pra você saber que não estou te enganando. Tenho sim minhas crises! Todos temos, afinal.

Vou falar agora brevemente sobre uma abordagem sobre limites que me abriu horizontes e aliviou as crises. Está nesse contexto da lida com crianças pequenas, mas funciona em qualquer relação.

A primeira coisa é que o limite tem que ser claro e verdadeiro não só pra quem o recebe, mas também pra quem o aplica. Da próxima vez que for comunicar um limite a uma criança, tire alguns segundos pra analisar o limite e faça-se a pergunta que provavelmente a criança fará: por quê?! Responda a si mesmo com toda a sinceridade que possa recolher e continue indagando porquês até que aquele limite esteja perfeitamente claro, verdadeiro e necessário - ou desmorone.

Você não vai fazer isso toda vez, não é um "protocolo de como aplicar limites". A ideia é fazer algumas vezes, em situações tranquilas, que não envolvam estresse e decisões rápidas, só pra você perceber o que é um limite claro e verdadeiro; só pra você perceber de onde vem os limites que você precisa comunicar - se de reais necessidades ou se de imposições culturais, crenças, paradigmas antigos.

Feito isso, desapegue-se imediatamente dos limites falsos! Deixe ruir o "porque sim", o "porque está na hora" (sim, às vezes estar na hora é um limite claro e verdadeiro, mas nem sempre), o "porque todo mundo faz assim", o "porque ninguém faz assim"... permita-se atualizar o sistema. E não caia na armadilha de achar que "encontrou a fórmula". O mesmo limite pode ser claro e verdadeiro num momento e totalmente arbitrário em outro (como o "está na hora").

Quando você tiver conseguido investigar a consistência dos limites que precisa comunicar, certamente vai se sentir absolutamente seguro ao comunicar um limite, e essa segurança bastará pra enfrentar os protestos, quando ocorrerem. Porque isso também é uma crença, uma falsa afirmação: "todo limite é acompanhado de protesto". Da mesma forma que dizer "quando eu souber comunicar um limite não haverão mais protestos" é uma grande ilusão!

A questão é que quando você tem clareza do limite, tem também clareza pra prosseguir com seu cumprimento. Essa clareza de prosseguir com o cumprimento do limite traduz-se em não envolver emoções no processo. Se você diz pra criança fazer ou não fazer algo e ela age na via oposta, ou protesta, isso não é motivo pra ficar bravo, pra dizer que não gosta, que vai ficar triste... nada a ver! Claro que muitas vezes esses sentimentos vem, ficamos com aquela sensação de sermos desrespeitados, humilhados, ou simplesmente perdemos a paciência. Tudo isso indica outras questões, nossas, que não são da criança e que devem ser analisadas em separado daquela situação. Uma coisa são as suas questões e outra é a necessidade da criança obedecer a um limite. Saiba diferenciar essas duas coisas. Para o bem de todos!

E por aqui chega.


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Mãe só atrapalha

É comum a gente ouvir e até presenciar que filho quando está com a mãe fica mais manhoso, mais birrento, dá uma regredida e não faz a menor questão de colaborar com o árduo processo civilizatório.

Meu caminho normal depois de uma frase dessa seria investigar os porquês. Mas não, dessa vez será diferente. Deixemos dessa frescura de porquês e reflexões, esses blábláblás todos e passemos às soluções. Bom, se a criança fica manhosa e birrenta na presença da mãe, a solução é muito simples: afaste-a da mãe!

Pronto. Caso encerrado. Boa noite.



Só que não, né? Simplesmente porque ao contrário da maioria, maioria, maioria das pessoas, meu filho não admite ser separado de mim. Ou me mostra que quem não admite sou eu, mas, enfim, não rola. Ele chora, chora aquele choro de cantinhos da boca pra baixo, lágrimas escorrendo devagar por um rostinho contorcido. Não se pode duvidar da razão daquela dor, como aprendi com meu amado Gil. Eu poderia até dizer que não tenho coragem de passar por cima disso, mas acabo de me dar conta de que é o contrário! Quando eu identifico uma dor no Joaquim, meu ser se enche de toda a coragem do mundo pra fazer o que for preciso para protegê-lo dela. Eu não sou o tipo de covarde que abandona meu filho ao próprio choro quando ele me estende os bracinhos e diz que quer ficar comigo. E não venha me dizer que "ele precisa aprender" isso ou aquilo às custas de dor e abandono. Não foi assim quando ele era um recém nascido, não foi assim quando ele era um bebê e continuará não sendo assim agora que ele é uma grande e autônoma pessoa de três anos. Mais tarde a gente volta a falar sobre isso, mas pelo rumo que as coisas estão tomando, acho pouco provável que eu mude essa estratégia tão cedo...

A essa altura você deve estar aí pensando: "ah, mas é claro que ele vai ficar manhoso! Ele sabe que você tem coração mole!".

Pois saiba que o Joaquim não fica manhoso e birrento de forma gritante e evidente só pela magia da minha presença. Ao contrário: quando está comigo ele se sente seguro e amparado, ele fica em paz.

Só que não adianta explicar isso pras pessoas que gerenciam os lugares onde as crianças são separadas das mães. A regra é clara - tão clara quanto burra, burra como toda regra geral que tenta-se aplicar aos seres humanos, simplesmente porque cada ser humano é um universo em si, diverso de qualquer vizinho e, portanto, absolutamente impossível de se aplicar regras gerais. E onde há burrice não há diálogo. Estou aqui, no auge da minha fúria, chamando de burrice o comodismo de proibir ao invés de educar; o comodismo de proibir ao invés de dialogar; o comodismo de se iludir com regras gerais e fechar os olhos pras particularidades de cada ser humano.

Essa fúria deve-se ao profundo sentimento de abandono, solidão e desamparo que senti quando fui convidada a me retirar daquele lugar onde habitualmente separam crianças de mães. Eu achei que por se tratar de uma "atividade de férias" a rigidez fosse deixada de lado, mas me enganei redondamente. Eu era uma mãe precisando que me ajudassem a mostrar pro Joaquim que ele pode confiar em outros adultos, que além dos quatro ou cinco que ele confia podem existir outros. Mas de fato não seria ali que encontraríamos esses adultos... como pude ser tão ingênua? Onde não há diálogo, não há confiança.

Pois bem, esse tipo de episódio me põe na categoria de minoria, e ser minoria dói, simplesmente porque a solidão dói. Mas ainda prefiro a dor de me reconhecer como sou do que a dor de querer ser e não ter coragem de ser. E na verdade não se trata de preferir, não é uma escolha. É o único caminho possível.

Só me resta soltar aqui esse uivo solitário nessa noite fria.

E não ousem me separar do meu filho!


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Acessibilidade para crianças

Desde que tenho me envolvido com o "mundo materno" tenho visto movimentos muito lindos de humanização (ou naturalização?) do parto, de apoio à amamentação, de apoio às mães puérperas, de respeito às necessidades da criança, enfim, pequenos grandes passos em direção a relações mais harmônicas e respeitosas, à construção de um mundo mais amoroso. Vou dando aqui minhas contribuições reflexivas e a de hoje é de ordem bem prática: como anda a acessibilidade para crianças e seus cuidadores nos locais públicos?

Tenho a impressão inclusive que estou criando um termo! Alô CREA, será que acessibilidade infantil vira também requisito pra aprovação de plantas e afins?! Brincadeira... cada vez mais eu acho que não dá pra viver à mercê de leis, a responsabilidade é de cada um e cada um de nós pode fazer diferente, mesmo que isso não esteja nos manuais e protocolos.

Pois bem, vamos aos tópicos:

- Banquinho pra alcançar a pia: senhores proprietários, gerentes e responsáveis por restaurantes e qualquer lugar que tenha um banheiro que pode vir a ser usado por uma criança pequena, por favor, olhem pra isso! É um investimento baixíssimo (tão baixo como o banquinho, rs...) e que faz uma diferença danada pra coluna da mãe ou pai ou quem quer que seja que vá ajudar a criança a lavar as mãos. E faz uma diferença pra criança também, que tem sua autonomia valorizada, que se sente acolhida (vou falar sobre isso no final). Acho curioso ninguém ter se atentado a isso, pois muitos dos lugares que frequento tem trocadores, tem "espaço kids", mas não tem o bendito banquinho! Ou sou só eu que sinto falta do aparato?!

- Assento pra privada: eu não sei qual o fascínio que banheiros de restaurantes exercem, mas o Joaquim frequentemente pede pra fazer cocô! E lá vou eu, naquele banheirinho apertado, ficar agachada segurando ele, ou mesmo em pé, mas ele detesta quando eu fico em pé, enfim, é sempre desconfortável pra ambos. Da mesma forma que o banquinho, é um investimento muito pequeno, mas que faria taaaaaaanta diferença nas vidas de crianças pequenas e acompanhantes de crianças pequenas!

- Corrimão em altura de criança: mais uma vez a autonomia da criança. Não é porque uma criança pequena SEMPRE estará acompanhada de um adulto, que não podemos fornecer a elas elementos para que possam cuidar da sua segurança. Claro que quem me chamou a atenção pra isso foi o Joaquim, que fica muito feliz quando encontra uma escada com corrimão na altura dele!

- Utensílios adequados: quase todo restaurante tem cadeirão de alimentação, mas raríssimos tem pratos, talheres e copos adequados pras crianças. Não precisa ser nada muito especial, inclusive, aqui em casa usamos os utensílios de sobremesa e o Joaquim bebe em copo de vidro há bastante tempo, mas tem vezes que o garçom esquece até de colocar prato pra ele na mesa do restaurante! Bem, aí a questão não é nem ter o utensílio, mas ter um olhar atencioso e saber que criança também é gente, rs... Mas quando o garçom traz um pratinho colorido ele fica tão, mas tão feliz... Outro detalhe besta é o canudinho. Eu não gosto de canudinho, acho um desperdício de plástico, mas o Joaquim ama. E só depois que ele começou a gostar de canudinho eu fui entender a função daqueles que são flexíveis. Na altura de uma criança em relação à mesa e com aqueles copos altos, ela VAI TER QUE dobrar o canudinho pra conseguir colocar na boca! O canudinho sanfonado faz TODA a diferença...

- Brinquedos: eu sempre fui adepta do "criança brinca com qualquer coisa", "o melhor brinquedo é a criatividade", mas é impressionante como a simples presença de qualquer porcariazinha de plástico colorido entrete a criança! E vamos e venhamos... por mais que a gente tenha uma mesa inclusiva, o papo de adulto vai rolar e a criança vai ficar com aquela sensação horrível de estar entre estrangeiros e não entender direito (ou nada!) a língua. Ah, não adianta dizer pra levar brinquedo de casa... não, eles se tornam automaticamente completamente desinteressantes quando estão passeando! Pode ser também alguns livrinhos, uma caixinha de giz de cera com folhas em branco (em branco, please...). São pequenos cuidados que não tiram a criança do ambiente (como iPads e cia, que me entristecem profundamente, mas confesso que até por aqui já apelamos pro celular na mão do Joaquim, só pra poder terminar o jantar em paz...). Esses cuidados acolhem, deixam a criança mais confortável (e os pais também, claro).

O que mais?! Do que você sente falta quando sai de casa com seu filho? Há algo que os donos de estabelecimentos poderiam fazer para que vocês se sintam mais confortáveis e acolhidos?!

E ser acolhido é de fato o mais importante, que vai muito, muito além de qualquer bugiganga, é aquela coisa que não tem preço. Quem me chama o olhar pra isso é sempre o Joaquim e as crianças com quem convivo. Eles ficam tão, mas tão felizes quando veem que algo foi preparado especialmente pra eles! Isso não é mimar, isso não é "infantocracia". Observe com olhos atentos e honestos: o que nos ambientes que você frequenta inclui as crianças? O que foi especialmente preparado para que uma criança use e o que foi especialmente preparado para que um adulto use?

Muito tem se falado em "adultização precoce". Claro, eu quero estar incluída no ambiente em que vivo! E se pra isso eu tenho que crescer rápido, vamo que vamo!

Valorizar a infância, cuidar da infância é cuidar das relações, mas é cuidar também do ambiente. Do ambiente em casa e dos ambientes que frequentamos.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Filho, hoje você dançou com a sua sombra!

Foi uma das cenas mais lindas que você me proporcionou até hoje... tão singela e tão poética... tocava um álbum de cantigas de roda e numa valsinha, nem lembro qual, você parou seu caminho entre a sala e o quarto, olhou pra parede e dançou com a sua sombra. Fiquei quietinha, olhando e querendo que aquele momento se eternizasse, que ficasse tatuado nas minhas memórias.

E da mesma forma que começou, se desfez, outra coisa chamou sua atenção...